domingo, 29 de maio de 2011

Obrigado, meu irmão



            Com o sabor das férias nos lábios, Flávio correu até a casa do amigo Diego, que o esperava junto ao portão. O ano finalmente estava sendo deixado para trás e as férias eram o sonho sendo realizado. Quando o menino franzino parou, sua respiração estava acelerada, como seu coração. Diego, atrás de seus óculos sorriu-lhe e disse: “Até que enfim!”
            A alegria era tão grande que os amigos não a continham e brincaram o dia todo, até que o sol cedeu seu lugar à lua, que majestosa, encheu todo o céu com seu brilho. Ao que a noite tomou formas escuras, a alegria, a euforia de ambos cessou, pois já não precisariam ir à escola no dia seguinte. Sentados na calçada em frente à casa de Diego, ele apenas conversavam.
-        Sabe Flávio? Vou sentir saudades da escola.
-        Puxa Diego! Por que pensar nisso? As férias começaram hoje!
-        Eu sei, mas eu sinto que deixei algo para trás. É como se eu realmente sentisse saudades de lá.
-        Eu sei o que está acontecendo! - Exclamou Flávio. – Você gosta de uma menina!
-        Não! Quero dizer, sim. Quero dizer... Ah! Sei lá, eu não sei o que dizer, existe sim alguém, mas eu não sei o que dizer a ela, ou mesmo como dizer.
-        Eu sei como é, Diego. Eu também tenho quinze anos, esqueceu? Essa é a idade das dúvidas, dos sonos e das paixões!
-        Cara! Que legal o que você disse.
-        Eu sei. Li isso em um livro.
            Os amigos riram sem parar, até que chegou a hora de Flávio ir para casa. No caminho ele pensou no amigo e em quem ele poderia estar apaixonado. Quem? Não soube responder a si, mas não importa, afinal, poderia perguntar no dia seguinte.
            Enquanto isso, Diego deitava-se pensando na amada, tão bela, tão inteligente, tão gentil. Um pouco mais velha, é verdade, típico de paixão juvenil. Quem seria a princesa de seu castelo distante? Aquela que há séculos estava escrito junto ao seu destino? Ele queria dizer ao amigo, mas não pôde, pois apenas pensava naquela bela mulher de cabelos dourados, pele como leite, dona de um sorriso capaz de ofuscar o próprio sol. Quis ele reprovar, apenas para não correr risco de não estar próximo a ela no ano seguinte. E quando caiu no sono, sonhou com certeza com sua amada, sua professora, a bela Rafaela.
            Na manhã seguinte acordou e foi para a rua, Flávio o esperava. Antes mesmo de o amigo abrir a boca, disparou: “Eu amo a professora Rafaela!” O amigo não entendeu, passou a noite em claro tentando imaginar um modo de ajudar o amigo, mas uma professora? Como faria? Uma mulher dez anos mais velha? Correria a paixão em suas veias por alguém que nem ao menos é homem formado? Sua vontade de ajudar se foi apenas lamentou em silêncio pelo amigo, que sofreria e não encontraria o amor, alguém que o correspondesse. Diego passou o dia a falar, gritar e sorrir, às vezes chorou, às vezes vibrou. Mas ao final deste dia veio a frase. Não qualquer frase, as “a” frase:
-        Amanhã irei falar com ela.
-        Como assim? – Flávio estava espantado.
-        Direi que a amo, que não importa a idade, que apenas desejo ficar com ela e passar o resto de meus dias ao seu lado.
-        Tem certeza? – Flávio perguntou.
-        Sim.
-        Tem certeza? – Flávio repetiu a pergunta.
-        Sim, por quê?
            Flávio olhou em seus olhos e sem se desviar, disse:
-        Bem sabe que sou teu amigo desde que nascemos que somos irmãos de mães diferentes. Sabe também que quero seu bem e é por isso que te pergunto. Tem certeza?
-        Sim, mas por quê?
-        A Rafaela é nossa professora, alguém intocável. Também é mais velha, por que ela iria olhar para alguém tão mais jovem? Talvez ela prefira alguém de sua idade, não um garoto de quinze anos que nem ao menos trabalha. Não falo por mal, apenas digo isso para que não sofra, afinal, você é meu irmão.
-        Ah, sim. Obrigado.

            Diego disse apenas isso e foi embora. Ao longe, Flávio viu que o amigo estava chorando e seu coração se partiu. Não deveria ter falado daquela maneira com o amigo, mas ele não poderia deixá-lo sofrer por amor. Talvez quando retornarem às aulas ele conheça alguma garota de sua idade e esqueça a professora.
            Quando a noite chegou Flávio estava em sua cama e começou a pensar no amigo, e no quanto fora duro com ele. Mesmo querendo ajudá-lo, não deveria ter agido daquela maneira. Fechou os olhos, ansioso que a noite passasse depressa para pedir perdão ao amigo e junto planejarem um modo que faça com que Diego fale com a professora. É justamente a juventude a época mais iluminada, os amores vêm e vão e ele deve desfrutá-los ou não, mas isso deve ser por consequência de seus atos e não os dos outros. Ao sair de casa viu um bilhete colado junto à porta, onde estava escrito:

            “Obrigado, Flávio. Agora vejo que é meu amigo de verdade. Eu poderia sofrer muito com uma rejeição, pois a professora Rafaela é a mulher da minha vida. Espero que você não fique bravo por eu ter saído sem falar com você.”

            “Que bobagem!” – Flávio pensou. Ele foi até a casa do amigo com a intenção de ajudá-lo. “Essa não será a primeira, muito menos a última rejeição de um adolescente.” Ao chegar, bateu palmas. Ninguém atendeu. Entrou e bateu na porta. Novamente ninguém atendeu. Pensou em ir até os fundos, pois lá existe uma árvore cujo galho dá para a janela do quarto de Diego, e mesmo sendo baixo, ele pode brincar com o amigo, para reanimá-lo. Porém, ao chegar lá, seu coração quase parou e seu corpo estremeceu. Naquele mesmo galho estava o corpo de seu amigo, pendurado. Enforcado. Flávio aproximou-se e viu um bilhete junto ao peito do amigo. Ao abrir, estava escrito: “Obrigado... Meu irmão!” 

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