domingo, 29 de maio de 2011

Gostaria que fosse




Quando entrei na igreja Sagrado Coração de Jesus, o meu próprio parou. Não acreditava no que estava fazendo, nem como tudo me levou até ali. Cada passo, hesitante, parecia querer me levar para longe, ao menos era o que pediam meus pensamentos. Mas eu estava decidido, não sei bem porque, mas estava. Era meu 29ºaniversário e eu desejava algo de novo para minha vida.
            Desde muito pequeno não soube o que é amor. Minha mãe passava a maior parte do dia trancada em seu quarto e eu só a via a noite, quando fazia o jantar. Meu pai era como rocha, duro, estático, não aceitava a palavra de ninguém. Ele sempre chegava bêbado e descarregava em minha mãe e em mim.
            Quando completei 15 anos de idade, decidi que não levaria mais aquela vida, então fugi de casa. Meu pai me encontrou uma semana depois na casa de um amigo. Nunca apanhei tanto em minha vida. Mas aquilo me fez forte. Já que não podia contar com minha mãe e meu pai não era exatamente um exemplo. Tranquei-me em meu próprio casulo. E isso me trouxe até aqui.
            Eu entrei na igreja há menos de um minuto, mas parece uma vida. Talvez seja, afinal, dizem que quando estamos diante da morte nossa vida passa a frente de nossos olhos. Bem, eu estou vendo tudo agora, cada ofensa, cada dor, cada humilhação que meu pai me impôs. Agora estou pronto para enterrar meu antigo eu, porém, gostaria antes de qualquer coisa, dividir o que passei com alguém. Sei que sou pecador, mas não vim para me confessar, vim para conversar, expulsar os demônios que guardo no armário. Hoje enterro meu antigo “eu”, amanhã nascerá outro. Um novo eu.
Que deus me ajude.
            Quando caminhei pelos lances de bancos da velha igreja, vi o padre sentado, pouco á frente, lendo alguma anotação em seu caderno. Aproximei-me em silencio, desejando falar, mas não querendo atrapalhar. Em pé, olhei em minha volta e pela ultima vez olhei com aqueles olhos. Vi as janelas de vidro trabalhado, imagens coloridas do sagrado coração de Jesus. Aborreci-me quando notei que um deles estava quebrado. Por mais que eu venha a essa igreja desde criança, nunca havia notado que existiam apenas 10 lances de banco, à direita e à esquerda. A velha porta continua a mesma de sempre, com o verniz descascado.
            O padre notou minha presença e fechou seu caderno, “Eu estava lendo alguns pedidos de oração.”, disse ele. Fiz sinal que compreendi com a cabeça e ele me convidou a sentar. Quando me sentei, minhas mãos ficaram grudadas. Logo vi que o padre acabara de limpar a igreja. O cheiro de eucalipto tomava o ar. O velho padre Sergio me sorriu e como a maior de todas as coincidências, primeiro disse, “Lembra-se de quando era pequeno? Como você corria por esta igreja? Eram muitas crianças, mas você era sempre o mais alegre. Fico contente por estar aqui até hoje.” Pode parecer estranho, mas acho que notei uma lágrima se acumular em um dos olhos dele. Fiquei em silêncio e apenas sorri de leve. Nesses anos aprendi que não se deve atrapalhar os pensamentos de ninguém. Não que seja algo tão grave, mas meu pai não gostava e sempre me batia. Hoje acho graça, mas quando criança não entendia o que acontecia. Ele sempre me perguntava algo, “Quem fez isso? Por que fez aquilo?”, mas quando eu abria minha boca ele me batia. “Não me responda!”, dizia. Como não responder a uma pergunta? Pouco importa hoje, passado é passado e ele me trouxe até aqui. Observei o velho padre de cabelos ralos e brancos, magro com em sua juventude. Por um instante pensei no que leva alguém a entregar sua vida à igreja. Será mesmo que Deus o escolheu? Se for, é uma honra ser “escolhido” de Deus, ma por outro lado, por que Deus o privaria de uma vida com uma esposa e filhos? Não entendo, mas também não busco isso aqui. Aqui meu objetivo é outro.
            O padre Sergio levantou-se e caminhou vagarosamente até o altar, onde com um gesto simples me chamou. Eu fui até ele. Olhei para ele e ele abriu seu caderno de orações. Em uma delas estava meu nome, Alexandre. Minha mãe pediu uma oração. Ela não saiu do quarto, mas pediu uma oração. Não que aquilo me alegre, pois se sua intenção era a de se mostrar uma mãe preocupada, ela está 29 anos atrasada. O padre notou a expressão em meus olhos e fechou seu caderno. Sentei-me novamente no banco e o padre ao me lado. Ele perguntou “O que deseja?” e eu abri minha boca. Abri e esperei uma palavra sair dela. Qualquer uma. Ele me olhou e sorriu. E eu chorei.
            O velho padre me abraçou e cuidou de mim. Eu era uma criança necessitando de cuidados e sem um pai perto de mim. O padre me deixou sentado e me trouxe um pouco de água. Notei que suas mãos tremiam mais que as minha. Ele me olhou como se soubesse o que eu estava sentindo, o que estou sentindo agora e o que vou sentir no futuro. E ele me abraçou. Ficamos ali tempo bastante para que eu me achasse um tolo. Mas não importava. Padre Sergio parecia saber o que eu queria, mesmo tendo perguntado o que era. Eu o olhei nos olhos e vi seu sorriso.
            Ao me acalmar, lembrei por que estava ali e me senti aliviado, pois podia contar tudo a ele. Não era uma confissão, e sim uma conversa, e tinha isso sempre em mente.
            Mas então, tive que ir, era hora de deixar sua proteção e voltar para onde nem eu mesmo sei. Quando sai de lá, voltei-me para trás e vi o velho padre sentado, com as mãos no rosto, emocionado, talvez, com tudo que contei sobre minha mãe, meu pai e os anos de sofrimento. Sei que sou vago ao falar de mim, mas ao vê-lo chorando naquela igreja, em meu coração tive um desejo e em minha mente um pensamento: “Gostaria que fosse meu pai.”

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