domingo, 29 de maio de 2011

Emília



            Emília não podia acreditar no que estava acontecendo. Enquanto corria pelas ruas de paralelepípedo de seu bairro, somente um pensamento a dominava: “Papai vai me matar!” Parecia apenas a aflição de uma menina de 15 anos, mas que aos poucos foi crescendo de tal forma que as lágrimas abundaram. Ao parar frente ao portão de sua casa, seu vestido rosa de menina pura batia contra seu corpo devido ao vento que avisava da chuva avizinhando.
            Suas mãos estavam grudentas, então ela rodeou a casa e lavou-as no tanque de sua mãe. Lavou também o rosto tentando assim disfarçar os olhos vermelhos e inchados. Parada ao lado da porta da cozinha, a qual estava trancada, Emília suspendeu a mão direita horizontalmente frente ao rosto e esta tremia como galho verde. Súbito a lembrança de algo há pouco ocorrido levou a mais uma onda de lágrimas e a menina encolheu-se no chão frio, do lado de fora de sua casa. E começou a chover.
            Com a água fria escorrendo em seu rosto, ela não conteve sua dor e chorou silenciosamente.  Seu corpo pequeno tremia enquanto era atingido pela tempestade que se fez. Ela não queria, mas tentou lembrar-se, clarear os pensamentos, buscando ansiosamente uma resposta para sua pergunta: “O que eu faço agora?” Ela sabe a vergonha que será para sua família, ter alguém “assim” dentro de casa. Seu pai com certeza a mataria. Então, o que fazer? O que ela poderia alegar? Talvez o silêncio fosse o melhor, mas e se acaso alguém perguntar? E se alguém chamar a polícia? Não! Isso não!
            A menina, desnorteada, rodeou novamente a casa até a porta da sala, toda ensopada e com o olhar claramente triste. Ao bater na porta, sua mãe a recebeu com um abraço, pois estava escuro e a chuva não dava trégua. Emília cruzou a sala e olhou o pai meio de lado, e ouviu-o dizer: “Mais tarde nós conversaremos.” Ela gelou até a alma. Será que ele descobriu? Não, isso não. Ou ele a teria ao menos esbofeteado. Ela entrou em silêncio no banheiro e ligou o chuveiro.
            Enquanto a água quente aquecia seu corpo frio, Emília ficou imóvel e reviveu aquele dia. Cada instante, cada momento daquele dia.
            Ela havia acabado de sair da escola e queria ver o namorado, Fábio. Eles se conhecem desde a 1ª série e sempre se deram muito bem. Primeiro veio à amizade, depois o amor. Ela recorda-se docemente do primeiro beijo, no pátio da escola, com todas suas amigas olhando. Ela sempre sonhou em se casar com o namorado, constituir família, ter dois filhos, um menino e uma menina. Ela saiu da escola e foi para a casa de Fábio, que estava doente e não podia sair. Fábio mora do outro lado da cidade, e ela seguiu ate lá caminhando, com sua mochila nas costas. Ela só pensava em abraçar, beijar e dar carinho ao namorado.
            Mas ela não esperava por aquilo. Ao longe, viu algo que não queria acreditar, Não ele! Não o Fábio. Ela acelerou o passo e viu o namorado entre beijos e abraços com outra menina.
-        Fábio! – Ela gritou.
Ele empalideceu e disse:
-        Emília? Espere, eu posso explicar.
Não havia explicação. Seu namorado, o amor de sua vida, com quem ela queria passar toda eternidade aos beijos com outra qualquer.
-        Seu desgraçado!
Fábio empurrou a menina com quem estava entrelaçado para dentro do portão, pois não queria chamar atenção dos vizinhos. Emília queria apenas chorar. Queria também uma explicação. Qualquer uma.
Mas não havia.
Fábio a abraçou e tentou beijá-la, mas ela empurrou-o.
-        Como você pôde? Eu tenho nojo de você!
Emília deslizou vagarosamente até o chão onde chorou sem forças. Seu mundo havia ruído. Porém um pensamento lhe veio à mente e ela levantou-se e apanhando sua mochila, retirou uma caneta. E com a caneta, atacou os dois com uma fúria que não era sua, deixando-se levar pela raiva, entregou-se ao desespero. Ela cravou a caneta no pescoço de cada um, que se contorceram até que suas vidas se foram. E sua ira também.
            O desespero ainda era presente, mas ela tinha de sair do banho. Vestiu as roupas que sua mãe lhe deu e foi em direção a cozinha, para jantar. Mas ao cruzar a sala, algo impossível estava acontecendo.
-        Fábio! – perguntou ela, incerta.
-        Oi, Emília!
Seu mundo girou completamente e seu estômago revirou. Como pode? Impossível! Nem ao menos as marcas em seu pescoço. Emília temeu o pior. Sentou-se ao lado do namorado que se divertia assistindo TV ao lado de seu pai. Ela permaneceu muda e incrédula. Olhava o namorado e este agia como se nada tivesse acontecido. “Mas aconteceu!” – Ela pensou. – “Eu o matei!” Ela não conseguia entender. Logo depois, sua mãe a chamou para jantar. Seu pai já havia se alimentado e Fábio disse estar sem fome. Ela também não tinha fome, apenas revirava o prato, e sozinha na cozinha, voltou a chorar. “será que eu estou louca?”
            Passados alguns minutos ela notou que não havia mais conversa na sala, e quis conferir. Ao chegar lá, seu coração acelerou. Não havia mais sala e sim um cômodo escuro e úmido. No centro, apenas seu namorado.
-        Onde estão meus pais?
-        Em outro lugar. – ele respondeu.
-        Como assim? Eles estavam aqui agora mesmo!
-        Não, acho que não. Eles nunca estiveram aqui.
Emília sentiu um forte odor vindo do chão e perguntou:
-        Que lugar é esse? O que você está fazendo aqui? Você está morto! Eu o matei!
-        Creio que não. Na verdade, quando retirou a caneta de sua mochila, você decidiu que não queria mais viver. Você, minha querida, está morta!
Emília se desespera.
-        Não! Impossível! Que lugar é esse? Você não é meu namorado. Quem é você?
-        Eu sou Lúcifer.

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